O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do programa Justiça Presente, firmou parceria com o Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP) para promover ações de Justiça Restaurativa em 10 tribunais do país ao longo de 2020. A ação irá apoiar as cortes locais a estruturar núcleos restaurativos que atendam ao sistema de justiça criminal e ao sistema de justiça juvenil e socioeducativo, colaborando para a resolução pacífica de conflitos e para a redução da superlotação da população privada de liberdade no Brasil, que hoje ocupa a terceira posição no mundo.
A iniciativa será desenvolvida nos tribunais de Justiça do Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Paraíba, Piauí, Roraima e Rondônia, assim como no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Mato Grosso do Sul e São Paulo) – a validação do décimo tribunal deve ocorrer nesta semana. A escolha das unidades atendeu a critérios objetivos, visando atender aos estados com iniciativas mais incipientes, considerando o grau de desenvolvimento de ações restaurativas em cada local, existência de normativa para guiar os trabalhos, disponibilidade de quadro de pessoal e quantidade de varas de abrangência e respectivas áreas. Os subsídios para a seleção foram fornecidos pelo Mapeamento dos Programas de Justiça Restaurativa, realizado pelo Comitê Gestor de Justiça Restaurativa do CNJ em 2019.
De acordo com o coordenador do Comitê Gestor de Justiça Restaurativa do CNJ, conselheiro Luiz Fernando Keppen, o trabalho do Justiça Presente mostra a priorização que o tema tem no Judiciário. “É com alegria e entusiasmo que, ao assumirmos a coordenação nacional da Justiça Restaurativa no CNJ, noticiamos a organização de curso de capacitação de formadores para operarem junto a tribunais selecionados. Custeado pelo CNJ, fato que mostra o quão relevante é o tema, o curso pretende ser um marco para o desenvolvimento da política restaurativa, ao propiciar apoio e treinamento a tribunais, para que organizem internamente seus programas de justiça restaurativa. Tenho a convicção que este curso resultará em uma multiplicidade de benefícios e ao final receberemos relatórios com os resultados que cada tribunal obteve. Isso nos permitirá uma avaliação, para o processo de progresso das práticas restaurativas em todos os segmentos da justiça.”
A iniciativa irá constituir e qualificar equipes locais com processos continuados de formação e colaborar para o fortalecimento de redes parceiras para o desenvolvimento de práticas de Justiça Restaurativa. Também serão promovidos estudos de casos, formação e supervisão de equipes e o acompanhamento dos resultados obtidos, como foco na sensibilização de atores chave como magistrados, promotores e defensores e também na sustentabilidade das ações.
A ação faz parte do programa Justiça Presente, parceria iniciada em janeiro de 2019 entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para superar problemas estruturais no sistema prisional e socioeducativo. A alocação dos consultores aos tribunais selecionados será precedida de etapa de capacitação nacional em março, que também reunirá servidores cedidos pelos Tribunais e outros profissionais indicados pelo CNJ.
Alternativas
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ), Luís Geraldo Lanfredi, a ação representa um novo passo para o enfrentamento do estado de coisas inconstitucional em nossas prisões apontado pelo Supremo Tribunal Federal. “A difusão das práticas de Justiça Restaurativa contribui para a construção de uma sociedade mais pacífica. É bastante claro que a prisão como única forma de responsabilização não tem atendido às expectativas de diminuição da violência e da insegurança. Quando o Poder Judiciário tem a coragem de enveredar por outros caminhos, buscando a raiz dos conflitos e envolvendo positivamente as partes, ele contribui para uma cultura de paz.”
Coordenadora da Unidade de Paz e Governança do PNUD, Moema Freire explica que a Justiça Restaurativa traz como proposta a ressignificação dos processos de realização de justiça, privilegiando o diálogo entre as partes envolvidas no conflito e buscando soluções satisfatórias e mais duradouras. “Há contribuição importante para a construção da pacificação social e de promoção de convivência. No âmbito do Justiça Presente, realizaremos iniciativa inovadora de suporte junto aos Tribunais e acreditamos que os resultados proporcionarão uma nova frente da Justiça Restaurativa no país com as metodologias que serão sistematizadas e testadas.”
A coordenadora de Justiça Restaurativa no CDHEP, Petronella Maria Boonen, destaca o caráter inovador da metodologia ao abarcar casos da justiça criminal e do sistema penal. “O projeto que se inicia tem como uma das chaves a redução do encarceramento, que pode ser uma questão espinhosa e complicada para o direito, mas, no aspecto humano, precisa ser tratada. Precisamos criar alternativas”, afirma. “O CDHEP e o CNJ, juntamente com o PNUD, estarão em diálogo com cada Tribunal. Como uma organização da sociedade civil, o desafio é poder partilhar nossa experiência e, assim, fortalecer a atuação dos Tribunais.”
Política judiciária
A ação desenvolvida pelo programa Justiça Presente também atende à política nacional instituída pelo Comitê Gestor de Justiça Restaurativa do CNJ e pela Resolução nº 225/2016, que apresenta as diretrizes para as ações do Judiciário na área. De acordo com a normativa, a Justiça Restaurativa “constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado”.
As práticas restaurativas têm como foco a satisfação das necessidades das partes envolvidas, a responsabilização ativa de quem contribuiu para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da comunidade, “destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações no futuro”. Dentre os princípios que guiam a Justiça Restaurativa estão a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.
A atuação do Justiça Presente no tema envolverá metodologias diversas, tais como a Conferência Restaurativa Vítima-Ofensor-Comunidade, mais conhecida como VOC, assim como Processos Circulares de Construção de Paz e Conferência de Grupo Familiar. Em comum, todas envolvem a participação do ofensor e da vítima, assim como as famílias dos envolvidos e outros membros da comunidade.
Iuri Tôrres Fonte: Agência CNJ de Notícias
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