Wilson Teixeira é graduado em História e Geografia pela Universidade de Santo Amaro e Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo. Em sua dissertação de mestrado pesquisou sobre a violência no cotidiano escolar. Participou dos cursos Fundamentos e Práticas de Justiça Restaurativa no CDHEP que lhe ofereceu uma base para ser mais restaurativo em sua prática profissional. Atualmente é diretor da E.M.E.F. Marli Ferraz Torres Bonfim e professor efetivo da E.E. Eulália Silva Professora, onde leciona História.
CDHEP: Qual foi o impacto da formação em Justiça Restaurativa para você?
Wilson: Impactou bastante de forma positiva, foi um divisor de água na minha vida pessoal e profissional, pois até então tinha aquela visão de “olho por olho e dente por dente”, após a formação nos cursos Fundamentos e Práticas de Justiça no CDHEP me tornei mais restaurativo. Pude compreender que na maioria das vezes a indisciplina do aluno é um grito por socorro diante muitas situações de exclusão e violência às quais eles estão submetidos.
CDHEP: O que mudou em seu trabalho?
Wilson: Mudou bastante coisa, em relação a minha prática como gestor, me tornei uma pessoa mais humana, que sempre ouve ambas as partes e procura resolver os conflitos de forma dialógica, dando voz e vez a todos. Constantemente dialogamos com a rede de proteção que toda criança e adolescente deve ter, seja os pais, uma avó, um vizinho e até mesmo algum professor ou funcionário da escola do qual o aluno tenha empatia. A sala da direção e os demais ambientes da escola funcionam como um espaço de diálogo para construção da cidadania, praticamos uma gestão democrática onde pais, alunos e funcionários da escola tem direito de voz e vez dentro dos princípios da Justiça Restaurativa. Por meio de círculos de paz, conversas restaurativas, assembleias e diálogos com a equipe gestora, pais, alunos e professores e toda comunidade escolar refletimos sobre a vida em comunidade e a convivência com seus pares. Ao permitir que todos tenham direito a falar e a ser escutados, criamos o “território da palavra”, refletimos sobre diversos problemas do cotidiano da escola, buscamos a resolução dos conflitos de forma coletiva valorizando sempre os direitos humanos de todos. Em relação aos professores, tivemos muitas resistências no início e ainda temos até hoje de alguns profissionais que não entendem o conceito de Justiça Restaurativa. Já fui acusado de omisso, conivente por vários professores que ainda estão com a visão tradicional que os alunos devem ter medo do Diretor, que a sala da direção deve ser um local de repressão e punição. Muitos professores têm ainda práticas tradicionais para lidar com o conflito, querem a punição e exclusão imediata do aluno. E, quando não fazemos, somos criticados de forma veemente, muitos dizem que “passamos a mão na cabeça dos alunos” e que alunos falam que foram na direção trocaram ideia com o Diretor e tomaram um cafezinho, isso deixa alguns professores que não conhecem o conceito de Justiça Restaurativa indignados com a direção da escola.
Em relação aos alunos, no início eles ficaram espantados com esse atendimento diferenciado de dar vez e voz para eles, pois na maioria das vezes nunca são ouvidos. Muitos já chegavam e falavam: “Diretor pode me suspender, não quero ficar falando sobre esse assunto aí de qual foi a parte mais difícil, como eu estou me sentindo e o que pode ser feito para reparar o dano”. As nossas escolas não discutem os conflitos com os alunos é mais fácil punir, suspender, mas essa forma de lidar com a violência e os conflitos não resolve a situação. É preciso discutir o conflito, discutir com os alunos envolvidos e professores o porquê dos fatos, é preciso ouvir os sentimentos presentes em cada ser humano para cada vez mais aprendermos a lidar com eles. Em relação aos pais, vemos também bastante avanços. Muitas vezes, devido à violência aos quais estão submetidos na sociedade, os pais chegavam raivosos para conversar conosco sobre diversas situações que acontecem na escola, sobretudo sobre as violências. Mas, quando começamos a atendê-los de forma restaurativa, podemos constatar que não chegavam mais agressivos, começaram a chegar mais calmos, elogiando o trabalho da equipe e até mesmo contribuindo para o trabalho da escola.
A organização escolar também melhorou bastante, nossa escola é um prédio vertical de cinco andares, atendemos cerca de 700 alunos do 1º ao 9º ano em dois turnos, praticamente não temos vandalismo e nem consumo de drogas e ou afins em nossa unidade. Nosso quadro de funcionários não está completo, temos faltas de professores e de auxiliares técnico em Educação. Mas nem por isso acontece vandalismo e consumo de drogas. Os alunos têm autonomia, freqüentam todos os ambientes da escola sem serem o tempo inteiro vigiados. Achamos essa autonomia bem interessante, uma vez que somos cerceados o tempo inteiro na nossa sociedade.
O Regimento Escolar também foi modificado, as punições usuais de suspensão, expulsão foram substituídas por círculos de paz, conversas restaurativas, assembleias com alunos. Àquelas práticas exclusivas foram substituídas por práticas inclusivas de ouvir todos os envolvidos no conflito dando sempre voz e vez aos educandos. Constatamos que os indicadores de violência com alunos, acompanhando o livro de ocorrências, caíram drasticamente. Claro que ainda existem várias violências na escola, aliás, o conflito é inerente às relações humanas, mas caíram também as agressões físicas. Constantemente orientamos nossos alunos a dialogarem sobre os conflitos e oferecemos o tempo inteiro a sala da direção para conversarem. Isso tem sido muito positivo, pois antes da briga ou da violência eles buscam o diálogo para resolução do conflito. Existe o antes e depois da implantação da Justiça Restaurativa, basta analisar os livros de ocorrência para medir quanto diminuíram, sobretudo a agressão física entre os alunos.
CDHEP: A partir da sua experiência profissional, quais as possibilidades que visualiza para a Justiça Restaurativa em uma perspectiva futura?
Wilson: Imagino que é o caminho que deve ser seguido, constatamos que as práticas da justiça comum não dão conta de resolver as violências e conflitos que acontecem na escola e que as práticas de Justiça Restaurativa são realmente o caminho a ser trilhado. Mas tudo isso demanda formação de todo o grupo e de toda a sociedade sobre os conceitos da Justiça Restaurativa e isso demanda tempo. Mas, com a parceria do CDHEP em nossa escola a semente já foi plantada e está germinando.
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